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De forma a efetivar a determinada fundamentação nas decisões judiciais e evitar as falsas fundamentações – que são decisões que limitam-se a transcrever enunciados de jurisprudências, lei ou cortes de peça da acusação ou defesa -, seja esta decisão definitiva ou interlocutória, o novo Código de Processo Civil de 2015, trouxe de maneira mais clara a chamada teoria dos precedentes das decisões, ainda que de forma tímida, tendo em visto não existir uma forma expressa de como se fazer tal distinção ou superação.

Restando evidente a preocupação do legislador com uma real fundamentação dos casos em concreto, em uma tentativa de evitar decisões sem a devida fundamentação individualizada caso a caso. Pois bem, buscando adentrar no ponto principal deste artigo, como antes dito, o Código de Processo Civil trouxe no seu Artigo 489, § 1°, VI, a seguinte redação:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1° – Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Que o Código de Processo Civil pode ser usado de maneira subsidiária ao Processo Penal naquilo que for compatível e não houver previsão legal em lei específica, não é uma novidade, desta maneira, por força do mencionado artigo acima, poderíamos invocar tal pedido nos processos penais. Entretanto, por falta de uma previsão legal processualista penal, por vezes, este pedido era ignorado.

Por sua vez, a Lei 13.964 de 2019, o chamado Pacote Anticrime, acabou por trazer previsão legal para o tema aqui abordado. Mas você sabe utilizar o distinguishing e overruling na prática?

Em rápidas linhas e de maneira sintética, a teoria dos precedentes das decisões é bastante usada no direito norte americano, por ser é adotado o sistema da Common Law, que é de origem inglesa, onde os precedentes judiciais são bastantes utilizados para fundamentar o caso a ser apreciado, sendo que os precedentes judiciais e tornam um parâmetro para os julgamentos futuros.

No Brasil o sistema adotado é Civil Law, tendo sua principal caraterística em sendo a utilização pelo ordenamento jurídico de normas escritas, publicadas e documentadas em diplomas próprios, os nossos códigos, Constituição Federal, leis, assim por diante.

Resta claro que apesar de não ser adotado no Brasil, o sistema Common Law, teve grande influência na elaboração do Artigo 489, § 1°, VI do Código de Processo Civil. Voltando ao processo penal, com o advento da Lei 13.964 de 2019, o chamado Pacote Anticrime, encabeçado pelo então Ministro da Justiça, Sergio Moro, veio com diversas alterações e inovações, especificamente a ser abordado neste estudo é o Artigo 315, em especial o § 2º, VI, do Código de Processo Penal, que é uma reprodução do artigo 489, do Código de Processo Civil, vejamos sua redação:

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Mas afinal, o que seria o distinguishing e overruling? E qual sua funcionalidade no processo penal como meio de defesa?

Em uma breve explanação, o distinguishing nada mais é do que o dever de distinção do magistrado no caso concreto que esta sendo julgado diferentemente da jurisprudência apontada pela defesa, não podendo esta decisão ser vaga ou genérica, devendo explicar ao certo, ponto a ponto, o porquê não ser adotado o mesmo entendimento apresentado na jurisprudência levado ao caso como paradigma, por se tratarem de casos análogos.

Já o overruling, é a obrigação do magistrado, ao julgar o caso em concreto, mostrar a superação daquela jurisprudência apontada pela tese defensiva, mostrar onde, quando e como houve superação, seja por alguma revogação, súmulas ou mesmo a superação do entendimento pelos Tribunais Superiores.

Outro ponto importante, apesar do artigo 315, do Código de Processo Penal, está alocado na parte onde trata das medidas cautelares, verificamos por força de sua de sua redação que deve ser adotado não apenas no que tange as cautelares, já que o § 2º possui a seguinte previsão em sua redação: Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão.

Desta maneira, resta evidente que o legislador ao redigir o texto incluiu toda decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, não restando dúvidas quanto sua aplicado a todos os momentos do processo, não apenas as cautelares, devendo serem apontados o distinguishing e o overruling em todos os momentos do processo.

Ainda mais, certo que a busca na efetividade do poder judiciário com a aplicabilidade do princípio do livro convencimento motivado abrange todos os pontos do processo, não havendo motivos para a não aplicabilidade do Artigo 315, do Código de Processo Penal, em todas as fases processuais.

Infelizmente, apesar do entendimento de vários doutrinadores contemporâneos, como Tiago Bunnig, a questão aqui exposta ainda será abordada e firmado teses em jurisprudências já que o legislador se quedou ao fazer a inclusão apenas na parte que trata das cautelares.

Ainda a de se analisar que se trata de norma processual penal recente, vigorando a partir de janeiro de 2020, necessitando de orientação jurisprudencial, cabendo, agora, ao poder judiciário sanar as questões aqui apresentadas e, efetivamente a utilização do distinguishing e overruling no processo penal.

REFERÊNCIAS

MENDES, Tiago Bunnig. Curso avançado do Pacote Anticrime, 2020.

Didier Jr., Fredie, BRAGA, Paula Sarno & OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, v. 2, Salvador: Juspodivm;

Fonte: Canal Ciências Criminais.