O WhatsApp lançou uma nova política de privacidade que obriga os usuários a compartilharem os dados de sua conta – como número de telefone e tempo que passam no app – com o Facebook. Uma mudança que, segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), esbarra nas normas do Marco Civil na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e do Código de Defesa do Consumidor.
A plataforma começou a disparar uma notificação no Brasil e no mundo informando sobre seus novos termos de uso e política de privacidade, que passam a vigorar em 8 de fevereiro de 2021. A novidade é que negar a integração entre os dados do aplicativo com o Facebook não será mais uma opção.
Com as novas regras do aplicativo, o compartilhamento de dados não é opcional: ou o usuário aceita ou é obrigado a deixar o serviço. A única opção dada a ele é a permissão ou não do uso das informações coletadas para fins comerciais e para incrementar a experiência dele nos apps ligados ao Facebook (que incluem o Messenger e o Instagram).
Ou seja, mediante consentimento, será possível receber recomendações de amizades no Facebook, por exemplo, de contatos do WhatsApp.
O que acontece com quem não concordar?
Com os novos termos, o compartilhamento de seus dados entre as plataformas WhatsApp e o Facebook passará a ser obrigatório, mesmo para quem não tem conta no Facebook. Quem recusar os novos termos terá a conta suspensa e só poderá voltar a usar o mensageiro quando mudar de ideia.
“Continua sendo uma decisão do usuário se ele gostaria ou não de se comunicar com uma empresa no WhatsApp. Esta atualização não muda as práticas de compartilhamento de dados entre o WhatsApp e o Facebook, e não impacta como as pessoas se comunicam de forma privada com seus amigos e familiares em qualquer lugar do mundo.”
A conta não será apagada, mas ficará indisponível até o usuário aceitar a nova política de privacidade. De certa forma, o usuário não vai poder mais usar WhatsApp até mudar de ideia.
WhatsApp Business será afetado
A mudança afeta a maneira como empresas que usam o WhatsApp Business, versão corporativa do app, poderão gerenciar informações de clientes através do Facebook — o gigante azul é dono do app de mensagens desde 2014. O conglomerado já vem falando em unificar algumas partes dos seus aplicativos há algum tempo.
Algumas empresas podem compartilhar dados de clientes do WhatsApp com suas contas corporativas no Facebook. Entre as informações coletadas estão nomes, números de telefone, aparelho utilizado, dados de transações e pagamentos e outras informações anônimas. O conteúdo das conversas, mensagens, fotos, vídeos e áudios não são compartilhados pois são criptografados de ponta a ponta — e isso continuará protegido e com acesso restrito a cada pessoa com perfil no app.
A plataforma destaca que, se você não quiser que uma empresa compartilhe seus dados com o Facebook, basta não interagir com ela. Os usuários ainda podem bloquear facilmente uma empresa no WhatsApp se quiserem.
E o impacto jurídico dessas medidas
É uma medida que claramente viola a proteção de dados pessoais dos usuários, que é um dos princípios básicos do Marco Civil, considera Rafael Zanatta, pesquisador em telecomunicações do Idec. O especialista cita o artigo 7° do regulamento da Internet no Brasil, que descreve como direito do usuário o não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei.
Como podemos ver abaixo:
Art. 7° O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;
IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;
V – manutenção da qualidade contratada da conexão à internet;
Também vemos tal violabilidade destes pressupostos junto à Lei Geral de Proteção de Dados, onde em seu Art. 7º e Art. 8º faz ressalvas quanto aos requisitos para tratamento destes dados, uma vez que a plataforma faz de maneira impositiva que você autorize o compartilhamento de seus dados, e caso não ocorra aplica a sansão de suspensão de sua conta, situação que viola os regimentos protetivos em nosso país.
Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
I – mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;
§ 3º O tratamento de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização.
§ 5º O controlador que obteve o consentimento referido no inciso I do caput deste artigo que necessitar comunicar ou compartilhar dados pessoais com outros controladores deverá obter consentimento específico do titular para esse fim, ressalvadas as hipóteses de dispensa do consentimento previstas nesta Lei.
Art. 8º O consentimento previsto no inciso I do art. 7º desta Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular.
§ 2º Cabe ao controlador o ônus da prova de que o consentimento foi obtido em conformidade com o disposto nesta Lei.
§ 3º É vedado o tratamento de dados pessoais mediante vício de consentimento.
§ 4º O consentimento deverá referir-se a finalidades determinadas, e as autorizações genéricas para o tratamento de dados pessoais serão nulas.
Inclusive é tese também defendida pelo jurista Rony Vainzof, da Escola Paulista de Direito. “Uma infração que aí sim é passível de ser punida com a suspensão das atividades do aplicativo, diferentemente do que ocorreu nos episódios anteriores em que o WhatsApp sai do ar no país.”
Mas, como acrescenta Vainzof, o compartilhamento dos dados dos usuários do WhatsApp para o Facebook não poderia ser classificado como “fornecimento a terceiros”. Isso porque, de acordo com ele, as empresas fazem parte de um mesmo grupo econômico, embora, no passado, o Facebook tenha tentado negar essa relação para se livrar de ações judiciais no país.
Infrações ao Código de Defesa do Consumidor
Grandes e bons serviços prestados pelos provedores de apps são gratuitos, mas não filantrópicos. E a contrapartida de serviços tão bons são os nossos dados pessoais. O que tem que ser apurado é se é uma contrapartida justa e transparente, aponta Vainzof, ao citar possíveis violações da mudança da política de privacidade do WhatsApp no Código de Defesa do Consumidor.
“Nesse caso, o abuso de poder econômico por parte da empresa é muito maior do que as infrações ao Marco Civil”.
Como ressalta Zanatta, trata-se do aplicativo mais utilizado no país, com quase 100 milhões de usuários. “Não dá para mudar as regras no meio do jogo. Ao entrar no app, as pessoas foram informadas de que nenhum dado era coletado. Mas, agora, a história é outra” , afirma. “É a escala de uso que torna os usuários cada vez mais vulneráveis e acaba favorecendo o Facebook a agir de forma impositiva.”
Possível ação pública contra o WhatsApp
A Ação Civil Pública é um tipo especial de ação jurídica prevista na legislação brasileira, destinada à proteção de direitos difusos e coletivos tanto por iniciativa do Estado quanto de associações com finalidades específicas. A Lei nº 7.347/85 , que institui a Ação Civil Pública.
É possível sim que seja promovida uma Ação Civil Pública contra o WhatsApp e o Facebook, porém para subsidiar o debate, é preciso que órgãos competentes promovam tais embates, e busquem junto aos usuários a sua opinião quanto ao momento que se consideraram lesados por alguma política impositiva que ofenda suas liberdades civis, humanas e comerciais, pois ofendem os preceitos estipulados no Art. 1º da Lei nº 7.347/85
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
l – ao meio-ambiente;
ll – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V – por infração da ordem econômica;
VI – à ordem urbanística.
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.
VIII – ao patrimônio público e social.
Contudo, qualquer cidadão representado por advogado pode propor a Ação Popular. Já a Ação Civil Pública só pode ser proposta por entes públicos e associações privadas que preencham certos requisitos. Os legitimados ativos, como chamam-se as pessoas que podem propor a Ação, são dados pela já citada Lei nº 7.347/85, em seu Art. 5º:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Abaixo segue na integra os Termos de Serviços do WhatsApp juntamente com sua nova Política de Privacidade.
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Você não precisa estar sozinho para nessas e outras questões jurídicas. Busque escritórios especializados que oferecem serviços, suporte e parceria para lidar com tais questões, cada um em sua área de atuação.
Profissionais qualificados permitem que você se dedique apenas na área de seu negócio, otimizando, assim, o tempo no trabalho.
Procure referências e conheça a atuação do escritório de advocacia a ser contratado, de preferência entrando em contato com outros clientes. Determine antecipadamente como os honorários serão pagos e como se dará o recolhimento das verbas caso haja mudança no regime adotado.
Artigo original: Publicado em 2017 neste link, feito inclusão de nova legislação e comentários pertinentes.
Citações:
Conforme a NBR 6023/2018 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SPAGNOLI, Jonathan Amorim (ed.). WhatsApp suspenderá contas de quem não aceitar compartilhar seus dados com o Facebook. 2021. Revista Jurídica Vendruscolo Spagnoli. Disponível em: https://blog.vendruscolospagnoli.com.br/whatsapp-suspendera-contas-de-quem-nao-aceitar-compartilhar-seus-dados-com-o-facebook. Acesso em: … .
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Jonathan Spagnoli
É acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia - Mestrado Profissional da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Faveni. Bacharel em Direito pela Unicesumar. Possui Certificação de Especialista Java EE 6 Enterprise Architect Oracle Sun Microsystems, Microsoft Certified Systems Engineer, Zend Certified Engineer, Certified Ethical Hacking. Atuou como Desenvolvedor de Sofware no CPD Sul do Grupo New Holland Brasil, Professor do Curso de Extensão da Faculdade UNIMEO - CTESOP em Assis Chateubriand. Instrutor em diversos cursos de tecnologia e computação.