O professor Albenir Querubini brindou-me com o convite para escrever a respeito da mobilização no seio do cooperativismo do Rio Grande do Sul com vistas à aprovação da Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, a chamada Lei Agrícola, que está completando seu trigésimo aniversário de vigência.
Inicialmente, agradeço ao professor Albenir a distinção e registro que é uma satisfação atender ao pedido de quem tem o idealismo e a dedicação a uma causa como ele. É professor de Direito Agrário e Ambiental, especializado nesta área de Direito Agrário. Integra a União Brasileira dos Agraristas Universitários e também a União Mundial dos Agraristas Universitários. Mencionou, quando do convite, que acompanhara a movimentação da Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul, a Fecotrigo, durante minha presidência, mobilizando para discussão e busca de influência na aprovação da Lei Agrícola.
Pesquisei para constatar o que realmente ocorrera, pois tinha recordação de que, à época, a Fecotrigo se mobilizou e discutiu com suas bases, além da interação com outras entidades representativas do setor agropecuário e agroindustrial, para que pudéssemos apresentar propostas e sugestões com vistas à aprovação da nova lei.
Vivíamos o primeiro período após a promulgação da nova Constituição Federal, como resultado da Assembleia Nacional Constituinte. Era preciso que a legislação se adaptasse à Constituição recém-aprovada. Por isso, era muito importante que a sociedade estivesse organizada, discutindo e sugerindo, com o propósito de que tivéssemos leis efetivamente representativas dos anseios da população e visando ao desenvolvimento do Brasil.
Como resultado da pesquisa que fiz para redigir este artigo, cheguei a algumas conclusões. Inicialmente, constatei que a mobilização começou bem antes. Vivíamos um momento de mudanças institucionais no Brasil. Tivemos a aprovação da Lei da Anistia, a revogação de diversos dispositivos restritivos das liberdades democráticas anteriormente vigentes, a realização das eleições diretas para os governos estaduais, em 1982, e uma grande mobilização para que tivéssemos eleições diretas à presidência da República. Rejeitada no Congresso Nacional a Emenda Dante de Oliveira – então parlamentar do Mato Grosso – que visava à aprovação de tal forma de eleição, houve um grande movimento na busca da conquista de espaços para que, na etapa seguinte, se atingisse esse objetivo. A forma encontrada foi apresentar candidato da oposição à Presidência da República nas eleições indiretas, onde o colégio eleitoral era o Congresso Nacional. A oposição apresentou Tancredo Neves e a situação Paulo Maluf. O primeiro, governador de Minas Gerais e o segundo que fora governador de São Paulo.
Obviamente, o encaminhamento de referidas eleições não se restringiu ao âmbito do Congresso Nacional. Houve mobilização nacional. No Rio Grande do Sul, Jarbas Pires Machado, um idealista articulador que visava a contribuir para que tivéssemos avanços ensejadores da participação popular no processo decisório, iniciou um movimento, ele que era presidente da Fecotrigo, à época, em 1984, para que houvesse apresentação de propostas aos candidatos à presidência da República, embora os mesmos concorressem em eleições indiretas.
Foi organizado um grande evento chamado Grito do Campo, que ocorreu no dia 02 de outubro de 1984, no estádio Beira Rio, que esteve lotado, com a presença de aproximadamente quarenta mil pessoas. Os dois candidatos referidos foram convidados. Compareceu Tancredo Neves. Ouviu as reivindicações e ao falar pediu para que lhe encaminhassem contribuições com propostas para serem examinadas e implementadas pelo governo.
Sabemos o que ocorreu: houve a eleição em 15 de janeiro de 1985. Tancredo Neves foi eleito. Convidou para ministro da Agricultura o senador gaúcho Pedro Simon, mas o eleito não chegou a assumir, por seu falecimento. De toda forma, continuavam os compromissos assumidos. Na área da agricultura, Pedro Simon buscou implementar políticas sugeridas pela mobilização dos setores organizados.
No governo José Sarney, que como vice-presidente assumiu pelo falecimento de Tancredo Neves, compromissos foram cumpridos. Um deles foi a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, para que o Brasil tivesse uma nova Constituição Federal. Para tanto, estabeleceu-se que os parlamentares eleitos nas eleições de 1986 tivessem poderes constituintes. Obviamente, todos os setores da sociedade se organizaram antes das eleições, buscando o comprometimento de candidatos com determinadas propostas, que seriam acompanhadas posteriormente, em votações na Assembleia Nacional Constituinte.
A mobilização continuou. No Rio Grande do Sul, foi instalada a constituinte cooperativa, no âmbito da Fecotrigo. Com aproximadamente 120 delegados das diversas cooperativas, liderados pelo advogado Adelino Gelain, de Sarandi, e sob a coordenação, representando a Fecotrigo, de José Rui Tagliapietra, ocorreu ampla discussão sobre propostas a serem apresentadas na Assembleia Nacional Constituinte. Ao mesmo tempo ocorria a mobilização nacional com esse objetivo.
A Organização das Cooperativas Brasileiras, durante a Constituinte, era presidida por Roberto Rodrigues, cujo pai, Antônio José Rodrigues Filho – que também foi secretário da Agricultura e vice-governador de São Paulo – fora o fundador da OCB.
Todos conhecemos Roberto Rodrigues, grande cooperativista que passou por diversas posições no cooperativismo nacional e internacional, inclusive foi ministro da Agricultura. Roberto coordenou, no âmbito do cooperativismo, uma grande mobilização, antes de eleitos os constituintes, para discutir e buscar compromissos de posicionamento, quando votada a nova Constituição.
Posteriormente, eleitos os constituintes, as cooperativas, tanto no Rio Grande do Sul, através da constituinte cooperativa, como nacionalmente, através da mobilização ampla da OCB, continuaram trabalhando para que houvesse na Constituição Federal a aprovação de dispositivos que contemplassem os interesses do cooperativismo e, acentuadamente, da agricultura, da pecuária e do agronegócio.
O professor Vergílio Perius, hoje presidente da Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul, teve presença muito forte durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, assessorando a presidência da Organização das Cooperativas Brasileiras e inclusive se instalando, na Câmara dos Deputados, no gabinete do deputado Ivo Vanderlinde, que foi coordenador da Frente Parlamentar do Cooperativismo durante a Constituinte. Diversas conquistas ocorreram, muito significativas, não só para o cooperativismo, mas também para a agricultura.
Aprovada a Constituição, era necessário que se partisse para os desdobramentos. Diante disto, passou a ser fundamental que houvesse mobilização com vistas a influir democraticamente na formulação da nova política agrícola e fundiária do país.
A Constituição Federal, no título VII, tratou da ordem econômica e financeira. O capítulo III tratou da política agrícola e fundiária e da reforma agrária.
Transcrevo integralmente o artigo 187:
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
I – os instrumentos creditícios e fiscais;
II – os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização;
III – o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
IV – a assistência técnica e extensão rural;
V – o seguro agrícola;
VI – o cooperativismo;
VII – a eletrificação rural e irrigação;
VIII – a habitação para o trabalhador rural.
§ 1º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.
§ 2º Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.
A leitura de mencionado dispositivo constitucional demonstra conquistas e a necessidade de desdobramentos. Ao prever que a política agrícola seria planejada e executada na forma da lei, estabelecia ser necessária norma legal regulando este planejamento e a sua execução, com a participação efetiva do setor de produção, prevendo assim a presença do setor produtivo no planejamento agrícola, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como os setores de comercialização, de armazenamento, de transportes, aí levando em conta instrumentos creditícios e fiscais, preços compatíveis com os custos de produção e garantia de comercialização.
Haveria planificação, inclusive executada através dos instrumentos creditícios e fiscais, com garantias de preços mínimos, incentivo à pesquisa e tecnologia, fundamentais para os avanços e os desdobramentos.
Além disso, assistência técnica e extensão rural, seguro agrícola, cooperativismo como forma de organização, eletrificação rural e irrigação, habitação para o trabalhador rural e claramente expressou que incluiu no planejamento as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.
Ao se referir às atividades agroindustriais estava sacramentando o conceito da agroindústria e, em consequência, do agronegócio, e previu também que as ações de política agrícola e de reforma tributária seriam compatibilizadas para que houvesse o acesso à terra, mas com respeito aos direitos de propriedade.
Aprovada a Constituição Federal com essas normas em vigor, era necessário discutir a Lei Agrícola para encaminhar a sua votação.
A Constituição Federal foi promulgada em 05 de outubro de 1988. Em 1989, começaria a tramitação das propostas visando a aprovar as leis para compatibilizar as normas ao texto constitucional.
No início de 1989, eu era secretário da Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul, no governo Pedro Simon. Fora presidente do Banrisul e com a saída de Jarbas Pires Machado da secretaria, o governador solicitou que eu assumisse a sua titularidade. Estava no exercício quando fui procurado por dirigentes de cooperativas agrícolas do Rio Grande do Sul filiadas à Fecotrigo, convidando-me para deixar a secretaria e ser presidente de mencionada Federação.
O argumento era que, como grande parte dos assuntos de interesse institucional com reflexos na agricultura estavam na alçada federal e como eu fora deputado federal, por duas legislaturas e convivera em Brasília, seria importante que pudesse deixar atividades executivas no Rio Grande do Sul e passasse a atuar nesse processo reivindicatório, representando uma entidade da sociedade civil formada por milhares de agricultores cooperativados.
Respondi que não poderia simplesmente renunciar, pois isso dependeria do governador Pedro Simon, que na primeira hora resistiu, mas logo entendeu a reivindicação, com ela concordando. Desliguei-me da secretaria para assumir a presidência da Fecotrigo.
Na ocasião, a entidade já estava mobilizada, interagindo com a Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul, à época presidida por José Adelar da Cunha, e também com a Organização das Cooperativas Brasileiras, então sob a presidência de Roberto Rodrigues, objetivando apresentar propostas com vistas a influenciar, repito, positiva e democraticamente, para que tivéssemos uma legislação que realmente estimulasse a produção de alimentos e os produtores. À época, continuamos um trabalho que vinha sendo desenvolvido.
Em 28 de abril de 1989, foi aprovada a realização das referidas reuniões regionais, repito, numa interação com a Ocergs, presidida por José Adelar da Cunha. Foi também aprovada a realização de um seminário, nos dias 21 e 22 de junho do referido ano, para examinar as diversas propostas e pleitos destinados à inclusão na mencionada Lei Agrícola.
Foram constantes os contatos com os parlamentares. O presidente da comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, deputado José Egreja (SP, PTB) compareceu ao Rio Grande do Sul, participando de encontros promovidos pela Fecotrigo, dos quais participaram também representantes de outras entidades da sociedade civil.
Houve participação vigorosa da área acadêmica. Lembro-me bem da participação do professor Darcy Walmor Zibetti, liderando um grupo que apresentou valiosa contribuição técnica, para que pudéssemos contribuir visando ao aprimoramento do texto que tramitava no Congresso Nacional e que se transformou na Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991.
Registro que participei efetivamente de toda mobilização, no ano de 1989 e início de 1990. Posteriormente, houve uma decisão no conjunto da Fecotrigo propondo que eu deveria candidatar-me à Câmara dos Deputados nas eleições de 1990 para defender o cooperativismo e o setor do agronegócio na busca de encaminhamentos.
As circunstâncias exigiam grande mobilização do setor produtivo com vistas à defesa de seus interesses, até porque muitas das propostas tecnocráticas dos planos econômicos produziam resultados negativos, principalmente no que dizia respeito ao crédito, seus indexadores, à política de preço mínimo e comercialização.
Era preocupante também a política cambial, onde, ao seu talante, o governo fixava o valor da moeda nacional em relação ao dólar sem qualquer suporte nos dados econômicos.
Em minha legislatura, iniciada em 1991, tive a oportunidade de defender os interesses do agronegócio e participar efetivamente das discussões do Plano Real, que se, de um lado, foi fundamental para a economia nacional e seu fortalecimento, na primeira hora criou alguns contratempos, como por exemplo a criação da URV e algumas desindexações no crédito, onerando o produtor.
A presidência da Fecotrigo passou a ser exercida por Rui Polidoro Pinto, que era vice-presidente durante minha gestão. Rui é um extraordinário cooperativista e que continuou mobilizando a entidade na busca de soluções.
Não vou me alongar na análise de vigência da lei. O pedido foi para que escrevesse a respeito do que ocorreu antes da aprovação.
A sociedade civil e as entidades representativas do setor do agronegócio, inclusive na área do cooperativismo, tiveram participação fundamental para os resultados subsequentes, embora a necessidade das constantes modificações determinadas pelo próprio avanço tecnológico e da modernidade.
A luta para que tivéssemos, há trinta anos, aprovação de uma Lei Agrícola foi, à época e posteriormente, fundamental. Os resultados foram os que conhecemos.
Fonte: Direito Agrário
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Marisa Vendruscolo
É Advogada Tributarista e Bacharela em Direito pela Universidade Cesumar de Maringá. Conciliadora Judicial pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Capacitação em Fundamentos da Mediação Comunitária, pela Escola Nacional de Mediação e Conciliação (ENAM). Capacitação em Mediação Judicial ( NUPEMEC/PR e CNJ). Capacitação em Justiça Restaurativa pela Universidade Estadual De Maringá/PR (UEM).Cursou Licenciatura em Química pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Cursando Pós Graduação em Docência do Ensino Superior pela Faculdade FAVENI.