Tempo de leitura: 5 minutos

Diante das controvérsias acerca da eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, é natural que os médicos se questionem sobre as responsabilidades e implicações legais que podem derivar da prescrição, ou não, desses medicamentos.

Em meio a toda angústia da população diante da pandemia de Covid-19, a esperança de uma volta à normalidade reside na descoberta de possíveis tratamentos e vacinas. Nesse momento, um peso demasiadamente grande recai sobre os ombros de cientistas, pesquisadores, e trabalhadores da saúde em geral, já que o futuro pós-pandemia depende diretamente do resultado do trabalho desses profissionais.

As promessas de curas milagrosas seduzem aqueles que anseiam por uma resposta rápida para essa crise, gerando terreno fértil para discussões políticas acaloradas. Muitos também aproveitam para obter lucro, e acabam por incidir em crime de charlatanismo (art. 283, Código Penal), através de promessas de “imunização” contra o Coronavírus.

Sem dúvidas, um dos temas que tem gerado maior debate diz respeito à eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, especialmente diante da pressão política para seu uso mesmo em casos leves. Diante de tanta controvérsia, é natural que os médicos se questionem sobre sua responsabilidade ao prescrever ou não o uso desses medicamentos.

De acordo com o Código de Ética Médica, é direito do médico indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente. Ainda, de acordo com o artigo 32, é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e ao seu alcance, em favor do paciente.

Com base nesses direitos e deveres dos médicos, vejamos abaixo as conseqüências legais da prescrição ou não da hidroxicloroquina para pacientes de Covid-19.

1. Os médicos podem prescrever o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina a seus pacientes?

Como dito acima, é um direito e também um dever do médico prescrever o melhor tratamento, de acordo com as práticas cientificamente reconhecidas. Porém o fato é que ainda não houve tempo hábil para que a ciência determinasse com segurança qual o melhor tratamento para a Covid-19.

Por esse motivo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) se manifestou, através do parecer nº 4/2020. Através desse documento, o CFM, apesar de não recomendar, autoriza que o médico prescreva a cloroquina e hidroxicloroquina, mesmo em pacientes com sintomas leves, desde que seja respeitada a decisão compartilhada com o paciente.

Para isso, não basta que o médico obtenha do paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. É necessário que cumpra, de maneira efetiva, o dever de informar. É preciso deixar claro (e não apenas formalizar no papel), que se trata de um tratamento sem eficácia comprovada, bem como explicar sobre os possíveis efeitos colaterais, os riscos e os benefícios.

Ademais, é preciso ter em mente que o Termo de Consentimento não serve como blindagem jurídica para o médico. A obtenção do consentimento, em decisão compartilhada, não exime o profissional de responsabilidade por eventuais danos ocasionados ao paciente.

2. O médico pode ser responsabilizado por deixar de prescrever cloroquina ou hidroxicloroquina a seus pacientes de Covid-19?

No dia 20 de maio de 2020, o Ministério da Saúde divulgou sua recomendação para uso da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes de Covid-19, mesmo em caso de sintomas leves. Trata-se de uma orientação, que não afeta a autonomia do médico assistente para prescrever o tratamento que entender adequado.

De acordo com o Código de Ética Médica, “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje” e “nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para o estabelecimento do diagnóstico e da execução do tratamento”.

Ou seja, ainda que haja uma recomendação por parte do Ministério da Saúde, e uma autorização, por parte do CFM, não existe obrigatoriedade de utilização desses tratamentos.

Em suma, tem-se resguardada a autonomia do médico para deliberar sobre qual o tratamento entende ser o mais adequado, com base nos estudos já divulgados e sempre respeitando o princípio da beneficência. Além disso, deve ser criterioso no que tange à autonomia do paciente e o dever de informação, para que a tomada de decisão compartilhada seja feita de modo consciente.

Fonte: Jus.com.br