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Em tempos de crise econômica, nada melhor do que tratar de redução da carga tributária sobre os negócios. Não se trata de alguma espécie de planejamento tributário complexo e arriscado. Está mais para café-com-leite, até mesmo porque o assunto já foi referendado pelo STJ e agora acabou de ser confirmado pelo STF. Tratarei da questão do ICMS incidente sobre a demanda contratada de energia elétrica.

Como é sabido, muitas empresas, visando redução de custos e perenizar o fornecimento de energia elétrica, contratam com as empresas distribuidoras desse importante insumo seu fornecimento seguro e com preço pré-definido, o que custos. Ocorre que, sendo ou não consumida, a energia contratada será paga. Como se trata de um negócio entre partes privadas, cada empresa negocia com seus com as distribuidoras o quanto de energia deve ser contratado e quanto vai pagar por ela. O ponto de discussão é tributário, isto é, saber se o ICMS incide sobre o montante de energia contratada ou sobre o montante de energia consumida.

Um exemplo simples pode melhor esclarecer o problema: se uma empresa contrata o fornecimento de 1.000 quilowatts (kW) por mês, porém só consumiu 500 kW, deverá pagar ao o valor integral contratado, isto é, pagará pelos 1.000 kW. A dúvida é saber se o ICMS, incidirá sobre os 1.000 kW contratados, ou sobre os 500 kW que foram consumidos. Observe-se que isso pode representar uma economia substancial, pois as alíquotas estaduais sobre essa operação sempre ultrapassam os 30%.

Pode ser que em alguma época no passado discutir essa questão tributária não tenha sido interessante para algumas empresas, que consumiam exatamente o contratado, ou até mais, porém, em face da enorme queda de atividade econômica atual, fruto da crise sanitária, pode ser que discutir essa matéria se torne interessante.

Expostos os termos do debate, vamos às decisões judiciais.

O STJ já havia pacificado a matéria há mais de dez anos, através da Súmula 391, que possui o seguinte teor: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”.

Semana passada, nas sessões de julgamento virtual do STF realizadas entre 17 e 24 de abril, o tema foi analisado através do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593824, e aprovada a seguinte tese em repercussão geral (Tema 176), que teve por relator o Ministro Edson Fachin:

A demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor.

Ficaram vencidos os Ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio. Confesso minha curiosidade em saber seus argumentos, o que só ocorrerá quando o acórdão for publicado.

Em face desse julgamento ocorreu a necessária pacificação jurisprudencial, pois consagrou a tese defendida desde muitos anos pela doutrina e encampada pela advocacia dos contribuintes, de que o ICMS só pode incidir sobre o que foi efetivamente consumido, e não sobre o que foi contratado. Logo, aproveitando o exemplo acima, o ICMS só pode incidir sobre os 500 kW consumidos, e não sobre os 1.000 kW contratados. Simples assim.

Entendida a tese, e pacificada a jurisprudência, quais os próximos passos?

Por um lado, pedir a devolução de tudo que foi pago a maior aos cofres estaduais ao longo desses anos. Retroação de 5 anos, como regra padrão, podendo ser em crédito (criação de uma espécie de conta corrente de ICMS com o Fisco estadual) ou em dinheiro (o que será muito mais difícil, pois sujeito a precatório). Os Estados, que foram vencidos no debate, poderiam se antecipar e criar uma espécie de câmara de compensação desses créditos, facilitando toda a operação, que, sendo judicializada, tomará proporções gigantescas.

Por outro lado, uma vez que o ICMS deve incidir sobre o montante de energia elétrica consumida, e não sobre a contratada, as empresas interessadas deverão desde logo buscar no Poder Judiciário uma decisão para que seja efetivada a correta cobrança desse tributo em suas contas mensais, o que seguramente reduzirá seu custo nesses tempos de pandemia.

Uma última observação de ordem processual, que, embora desnecessária, deve ser registrada: trata-se de uma lide tributária, isto é, entre as empresas consumidoras de energia elétrica e cada Fisco estadual. As empresas concessionárias de energia elétrica não são ex adversas, mas terceiras obrigadas, incumbidas pelos Fiscos de executar uma obrigação acessória, que é a de fazer a cobrança desse tributo nas contas, repassando o que tiver sido arrecadado aos cofres estaduais. Logo, na relação processual a ser proposta, as concessionárias não são parte, mas terceiras obrigadas, que deverão apenas cumprir o que vier a ser judicialmente determinado.

Enfim, pode ser uma oportunidade de reduzir o custo fiscal, e ainda receber um bom valor em devolução do que foi cobrado a maior ao longo do tempo. E com plena segurança jurídica.

Mãos à obra e bom proveito.

Fonte: Conjur