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O direito à saúde é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e que foi reconhecido mundialmente tendo como marco o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

O momento era de extrema preocupação com o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, não passando despercebida a proximidade dessas garantias com o direito à saúde.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, traz o direito à vida no artigo 25, que dispõe:

1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

No Brasil a instituição da humanização dos direitos foi mais morosa, passando pela ditadura militar entre 1964 a 1985.

Em 1988 a Constituição Federal protege a saúde como um direito fundamental de todos e um dever estatal, o fazendo por meio de diversos artigos, sendo expresso no artigo 196 que:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Esse artigo está inserto no capítulo denominado Seguridade Social, isso porque a seguridade social é garantida por meio de três pilares: saúde, previdência social e assistência social.

A saúde é um direito social de acesso universal que abarca ações e serviços de saúde.

No Brasil a assistência à saúde é garantida pelo sistema público, com o Sistema Único de Saúde – SUS, que é regulamentado pela Lei 8.080/90, a qual dispõe no artigo 4º que:

O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).

O sistema privado de saúde é possibilitado de forma suplementar ao fornecido pelo Estado, e, da mesma forma, constitucionalmente garantido, conforme demonstra o artigo 199 e §1º:

A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

O acesso ao SUS é universal, o que significa que mesmo a pessoa que opta pela assistência à saúde suplementar pode ser atendida pelo sistema público de saúde.

Essa garantia de acesso universal tem gerado uma quantidade expressiva de processos judiciais com solicitações de tratamentos, medicamentos e procedimentos médicos não fornecidos pelo SUS.

Além disso, o direito á saúde é fundamento para requerimentos judiciais de cobertura de planos de saúde de procedimentos não previstos em contrato.

Com isso, o sistema de saúde pública não consegue assegurar o acesso universal e o sistema privado de saúde tende ao desequilíbrio financeiro.

Em meados de 2015 foram ajuizadas centenas de medidas cautelares judicias para custeio da fosfoetanolamina sintética, que ficou conhecida como a “pílula do câncer”.

Com base na Lei n. 13.269, de 13 de abril de 2016, que autorizou o uso por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, foi deferido o fornecimento da substância.

Ocorre que não foi realizado o registro da fosfoetanolamina na Associação Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), não havia certeza da eficácia e, sequer, dos efeitos colaterais.

Por isso, logo em seguida foram suspensas as decisões liminares que deferiram o fornecimento da substância por meio da decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5501.

A ADI foi proposta pela Associação Médica Brasileira por violação aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput, 6º e 196 da Constituição Federal, diante da autorização do uso do medicamento sem estudos conclusivos.

Esse caso ficou conhecido em todo o país por ter sido fundamentado no artigo 196 da Constituição Federal e na efetivação do direito à saúde, além de ser um símbolo claro do excesso de judicialização da saúde no país.

O direito à saúde depende da execução de políticas públicas suficientes para assegurar essa garantia para toda população.

A solução dos conflitos de forma extrajudicial, como por meio de integração entre as políticas públicas e o Poder Judiciário, o Ministério Público, e até mesmo entre os próprios estabelecimentos públicos de saúde, para que tomem ciência de todos os benefícios públicos prestados à população, podem contribuir em muito para a diminuição da judicialização.

Alguns métodos extrajudiciais também podem ser acionados e vem apresentando bons resultados relacionados á economia e celeridade, como a mediação e a arbitragem.

As políticas públicas são de suma importância como protetoras do direito à saúde, por outro lado, é indiscutível o direito de ação para reprimir lesão ou ameaça a um direito, consubstanciada na possibilidade de intervenção do Poder Judiciário objetivando efetivar o direito à saúde como última alternativa.

Entretanto, o que fica claro, é que o direito à saúde não pode alcançado, de forma universal, somente por meio de ações judiciais, visto que tendem a beneficiar um número limitado de pessoas em detrimento daqueles que não tem conhecimento, acesso, ou possibilidade de ajuizar uma ação.

Não se pode imaginar, ao menos na situação atual, políticas públicas suficientes para alcançar todas as doenças existentes e as que estão por surgir, todavia, pode-se adequar a necessidade de interferência do Poder Judiciário em casos específicos, exceções.

Há de se destacar, ainda, o principio da reserva do possível, que condiciona a intervenção estatal à existência de disponibilidade de recursos públicos para efetivação do direito à saúde.

A necessidade de previsão no orçamento público para efetivação de direitos, como limitação da proteção estatal, remete ao controle de doenças crônicas de tratamento de alto valor, que, normalmente, não tem registro da ANVISA.

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, por meio do tema n. 500, no sentido de que medicamentos experimentais e os sem registro na ANVISA não são fornecidos por meio judicial, mas prevê requisitos para possíveis exceções, dispondo que:

É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:

(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);

(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Ainda, a Corte definiu que as referidas ações devem ser propostas em face da União e, conforme o tema 793, pela responsabilidade solidária dos entes públicos em processos relacionados à saúde.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, firmou requisitos para concessão de medicamentos registrados, mas não incorporados em atos normativos do Sistema Único de Saúde, conforme o Tema 106:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.” Resp 1657156/RJ

Com fundamento nesses entendimentos, as ações judiciais de pedidos de medicamentos estão sendo julgadas procedentes, inclusive em sede de liminar.

Isso com base nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, visto que a saúde tem direta proximidade com o direito à vida e a dignidade humana, as quais devem ser asseguradas pelo Estado de forma universal, contínua e gratuita.

Diante disso, conclui-se que a dignidade da pessoa humana, como fundamento da Constituição Federal, é garantida, também, pelo acesso à saúde pública, que precisa ser estendida às políticas de prevenção e controle de doenças para, além do benefício coletivo, restabelecer o equilíbrio do sistema de saúde, seja público ou suplementar.

Como consequência, o acesso ao direito à saúde poderá ser garantido a um número maior de pessoas, efetivando a igualdade que buscou a Constituição Federal com a promulgação dos direitos sociais.

Fonte: Direito Real