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No Direito, a discussão tem versado sobre a possibilidade ou não da aplicação da inteligência artificial pelos Tribunais e pelos escritórios de advocacia.

O progresso tecnocientífico é de fundamental importância, pois a sociedade experimenta avanços científicos em velocidade exponencial. O mundo globalizado traduz-se num movimento de energias sociais diferentes, perceptíveis na economia, na medicina, no Direito e na política, por exemplo, alavancadas pelo rápido desenvolvimento científico e tecnológico e dos meios de comunicação.

Os impactos da tecnologia na ordem social operam reflexos não apenas na vida relacional dos indivíduos, mas também, em particular, no modo de compreender os fenômenos e relações no âmbito jurídico1.

No Direito, a discussão tem versado sobre a possibilidade ou não da aplicação da inteligência artificial pelos Tribunais e pelos escritórios de advocacia.

Temos que considerar que possuímos um Poder Judiciário que custa aos cofres públicos R$ 90.846.325.160 e que, mesmo assim, é objeto de críticas constantes tanto na qualidade das sentenças proferidas, quanto na morosidade por muitas vezes apresentada.

Uma das alternativas que o mundo moderno apresenta ao Direito é justamente a implementação da inteligência artificial2.

A tecnologia, sob o manto da inteligência artificial, encontra-se presente nos mais diversos segmentos sociais, podendo-se citar, como exemplos, a robótica, a internet das coisas, machine learning, agentes virtuais, veículos autônomos ou smart cars, linguagem natural e computer vision. Estas formas de apresentação da inteligência artificial, evidentemente, não são exaustivas, considerando que esta forma de tecnologia se encontra em franca expansão, sendo uma incógnita os limites deste crescimento. Bens, produtos e aplicações computacionais, que até então eram um exercício de futurologia em ficção científica, hoje são realidade e estão presentes no cotidiano da sociedade do século XXI.

A importância do tema da inteligência artificial é latente para a sociedade. As universidades, enquanto instâncias qualificadas de produção do conhecimento humano, devem ser as protagonistas neste movimento de inflexão tecnológica, e aceleradoras da inovação e da disrupção das novas tecnologias para o benefício do ser humano.

Por exemplo, em experimento realizado pela LawGeex. Esta empresa criou uma competição entre a sua IA e vinte advogados experientes. A tarefa era a de revisar cinco termos de confidencialidade. O resultado foi surpreendente: A IA conseguiu encontrar 94% das incongruências, enquanto a média dos advogados foi de apenas 85%; um dos advogados humanos conseguiu chegar ao mesmo percentual da IA, ou seja, 94%; entretanto, o trabalho de outro advogado achou 67% das incongruências. Quer dizer, este advogado deixou passar 27% das incongruências que existiam nos termos examinados. A IA terminou a atividade em menos de 26 segundos, enquanto a média dos advogados humanos utilizou uma hora e meia de trabalho para a execução da mesma tarefa.

Quando aplicada aos Tribunais brasileiros, a inteligência artificial já possui alguns exemplos de sucesso, como o caso do Poti (TJ/RN) e do Radar (TJ/MG).

O Poti executa tarefas de bloqueio, desbloqueio de valores em contas e emissão de certidões relacionadas ao Bacenjud (é um sistema que interliga a Justiça, o Banco Central e as instituições bancárias, para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet). Tais tarefas, quando realizadas por servidores do Poder Judiciário, levavam semanas. Agora, são realizadas em segundos. “Um servidor conseguia executar no máximo 300 ordens de bloqueio ao mês. Hoje o Poti leva 35 segundos para efetuar a tarefa completamente”, segundo a juíza Keity Saboya, da 6ª Vara de Execução Fiscal de Natal.

Segundo a juíza, graças ao Poti o setor que cuidava das penhoras na comarca de Natal foi extinto. O robô também atualiza o valor da ação de execução fiscal e transfere o montante bloqueado para as contas oficiais indicadas no processo. Se não existir dinheiro em conta, Poti pode ser programado para buscar o montante por períodos consecutivos de 15, 30 ou 60 dias.

No caso do Radar, 280 processos foram julgados em menos de um segundo. O sistema separou os recursos que tinham idênticos pedidos. Os desembargadores elaboraram o voto padrão, a partir de teses fixadas pelos Tribunais Superiores e pelo próprio Tribunal de Justiça mineiro.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mais recentemente, também implementou ferramenta semelhante ao Poti. A solução de IA disponibilizada funciona da seguinte forma: o Magistrado, após a distribuição do processo, utiliza a ferramenta para a classificação do despacho a ser proferido. O mecanismo processa os documentos anexados à inicial da execução fiscal e sugere o tipo de despacho inicial: citação, intimação e prescrição, entre outros. Em grandes volumes, como é o caso dos executivos fiscais, a funcionalidade minimiza o tempo de análise dos documentos, permitindo ao Magistrado se concentrar nos pontos divergentes e em outras atividades processuais.

Como a quantidade de ações de executivos fiscais que ingressam anualmente são em torno de 150 mil, a ferramenta poderá automatizar a tarefa para 120 mil que, sem a IA, exigem análise humana individualmente.

A partir desta nova realidade, muito pode ser debatido sobre qual será o papel do advogado do futuro.

Em uma pesquisa realizada em 2017, foi feito o estudo de probabilidade de certas profissões serem substituídas pela automação. Em relação ao advogado, identificou-se 3,5% de probabilidade de substituição; já a atividade do juiz ficou em 40% de probabilidade de substituição pela IA. A pesquisa, buscando fazer frente a este cenário, trouxe a educação como diferenciais: a realização por parte dos profissionais de cursos de mestrado e doutorado3.

Na esfera do Direito, conforme destacaram John O. McGinnis e Russell G. Pearce, em artigo publicado na Fordham Law Review intitulado The great disruption: how machine intelligence will transform the role of lawyers in the delivery of legal services, serviços típicos da advocacia que são repetitivos, a exemplo de buscas por doutrina e jurisprudência, geração de documentos ou petições jurídicas e criação de cartas e memorandos serão facilmente realizados por machine learnings. Restará ao advogado as atividades em demandas complexas, em áreas altamente especializadas, bem como na atuação junto a Tribunais e em situações em que a presença humana se faz fundamental, tais como em reuniões de trabalho e de relacionamento4.

Ou seja, o trabalho repetitivo será incorporado pela inteligência artificial. Caberá ao advogado a tarefa de criar, de fazer justamente o trabalho indelegável ao profissional do direito.

É natural que os dados inquietantes apresentados acerca do risco de automatização possam criar uma zona de perturbação. Todavia, acredita-se que o ser humano será parceiro dos robôs, não inimigo deles, frente à criação de novos postos de trabalhos que surgirão.

O que se percebe é que as mudanças ocasionadas com a inteligência artificial e automação são constantes, de modo que fecham e, ao mesmo tempo, abrem oportunidades em todos os setores de uma sociedade, dentre eles, o das profissões jurídicas5.

Portanto, o que se pode afirmar neste momento é que a inteligência artificial é uma realidade que veio para ficar. Cabe aos profissionais do Direito estarem prontos para ela.

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1 GODINHO, Adriano Marteleto; ROSENVALD, Nelson. Inteligência Artificial e a Responsabilidade dos Robôs e de seus Fabricantes. In: Responsabilidade civil: novos riscos; organizado por Nelson Rosenvald, Rafael de Freitas Valle Dresch, Tula Wesendonck, São Paulo: Editora Foco, 2019, p. 21.

2 A inteligência artificial (IA) é um segmento da ciência da computação que propõe diversas técnicas e recursos no desenvolvimento de programas inteligentes, ou seja, programas capazes de tomar uma decisão semelhante ao humano. Podemos ainda definir IA, como a capacidade de programar o computador para desempenhar tarefas que o pensamento humano e animal seriam capazes de fazer naturalmente.

3 ENGELMANN, Wilson; WERNER, Deivid Augusto. Inteligência Artificial e Direito. In: Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade; coordenação Ana Frazão e Caitlin Mulholland. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 161.

4 MCGINNIS, John O.; PEARCE, Russell G. The great disruption: how machine intelligence will transform the role of lawyers in the delivery of legal services. Fordham Law Review, [S.l.], v. 82, p. 3065-3066, 2014.

5 ENGELMANN, Wilson; WERNER, Deivid Augusto. Inteligência Artificial e Direito. In: Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade; coordenação Ana Frazão e Caitlin Mulholland. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 163.

Fonte: Portal Migalhas