O compliance vem se destacando nos últimos anos no Brasil tanto por sua abordagem multidisciplinar de gestão em governança corporativa quanto por frequentes escândalos noticiados relacionados à corrupção, mas, afinal, o que é compliance?
A palavra compliance deriva do inglês to comply e numa tradução simples significa cumprir, o termo, portanto, aliado à temática, significa estar em conformidade com a ética.
Nessa linha, pode-se afirmar que o compliance se trata de uma reorganização na gestão, envolvendo todos os colaboradores, para promover boas práticas colaborativas com vistas a evitar corrupção e garantir credibilidade e segurança.
O termo é conhecido e bem próximo do setor de controle interno, que visa segurança na área financeira, e da auditoria interna, que verifica a organização em conjunto com o planejamento.
As áreas de compliance podem ser diversificadas, os procedimentos e políticas podem ser adaptados de modo amplo ou por setores internos da pessoa jurídica, no financeiro, na própria forma de gestão e também pode abranger o setor ambiental, o fiscal ou qualquer outro.
Lei Anticorrupção
O marco do compliance no Brasil se deu com a Lei 12.846 de 2013, a Lei Anticorrupção, que é regulamentada pelo Decreto 8.420/2015 e estabelece a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a administração pública.
O artigo 2º determina que a prática de crimes contra o patrimônio público tipificados na referida Lei enseja responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas.
A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa, basta que seja demonstrado o nexo de causalidade entre o dano e a ação.
Atos Lesivos à Administração Pública Nacional ou Estrangeira
De acordo com a referida Lei, consideram-se lesivos os atos que atentem contra o patrimônio público, os princípios da administração pública e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A corrupção é um desses atos. E, a caracterização desse crime não se restringe ao oferecimento de vantagem em dinheiro em espécie e, também, não exige o efetivo recebimento do valor, é suficiente a mera promessa de qualquer vantagem a um agente público ou terceiro interessado (art. 5º, inciso I, da Lei 12.846/2013).
A responsabilização administrativa prevista na Lei prevê duas sanções concomitantes, mas que podem ser aplicadas isoladamente, por meio do Processo Administrativo de Responsabilização – PAR.
Um, a multa, que pode ser entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da empresa, ou de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00 se não puder ser calculado o faturamento.
E, a publicação da decisão condenatória em meio de comunicação de grande circulação e à custa da condenada, causando impacto na imagem da empresa.
Por oportuno, o acordo de leniência é permitido pela Lei e pode isentar a pessoa jurídica da sanção de publicar a sentença condenatória.
Além disso, a colaboração efetiva com as investigações e com a ação judicial podem diminuir a multa em até 2/3 e excluir a sanção de proibição de recebimento de incentivos.
Já a responsabilização judicial por atos lesivos à administração pública, seja nacional ou estrangeira, será apurada conforme o procedimento previsto para Ação Civil Pública, na forma da Lei 7.347/85.
As sanções previstas para serem aplicadas na esfera judicial são o perdimento dos bens, direitos ou valores direta ou indiretamente resultantes do ato ilícito, a suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa, a dissolução compulsória e a proibição de receber recursos públicos (art. 19).
A Lei Anticorrupção criou, ainda, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, para reunir e dar publicidade às decisões das esferas administrativa e judicial a fim de garantir transparência e, também, de inibir más condutas.
Ademais, as sanções mencionadas, previstas na Lei 12.846, não interferem nas penalidades decorrentes de improbidade administrativa ou de condutas ilícitas previstas na Lei de Licitações (Lei n. 8666/93).
Programa de Compliance
Com a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica e as sanções definidas na Lei Anticorrupção as empresas passaram a se preocupar mais e a investir em Programas de Compliance com objetivo de prevenir, investigar, detectar e remediar resultados das condutas de desvio.
Os Programas de Compliance objetivam, ainda, a manutenção da imagem íntegra da pessoa jurídica perante clientes e investidores.
Esses programas tendem a estabelecer critérios de conduta para tomada de decisões com base em leis e regulamentos e de forma ética, por isso a importância da criação de um setor de compliance dentro da empresa.
É importante lembrar que a existência de um programa de compliance pode ser considerada quando da aplicação das sanções da Lei Anticorrupção (art. 7º, inciso VIII, Lei 12.846/2013).
O Programa de Integridade previsto no Decreto 8.420/2015, no artigo 42, apresenta diretrizes para o Programa de Compliance e merece especial atenção.
Para aplicação do programa são identificadas, basicamente, três fases: a prevenção, detecção e combate aos atos considerados lesivos previstos no artigo 5º da Lei Anticorrupção.
O dispositivo legal menciona, ainda, itens indispensáveis para a execução do compliance, iniciando pelo necessário comprometimento da alta direção da pessoa jurídica e o estabelecimento do código de conduta e do código de ética.
Os códigos de conduta e de ética da pessoa jurídica são a materialização do que se espera dos colaboradores, por isso a importância da clareza e objetividade das informações.
Um modo interessante de apresentação do código de conduta é numa das fases do recrutamento para que fique claro ao novo funcionário desde o início a posição de integridade e o respeito às leis e regulamentos.
A empresa deve criar políticas de integridade adaptadas às suas atividades, condizentes com cada setor de aplicação do compliance.
Além disso, o Decreto menciona procedimentos operacionais como a análise periódica de riscos, a existência de registros contábeis completos e precisos e controles internos do setor financeiro extremamente confiáveis.
E sugere, ainda, atos de prevenção de fraudes e ilícitos em licitações, contratos administrativos ou outras negociações.
Vale mencionar aqui o compliance fiscal, que trata do planejamento tributário estratégico da empresa e além de adequar gastos evita punições da Receita Federal.
Um procedimento simples e de grande relevância é a criação de canais de denúncia de irregularidades que sejam abertos e divulgados para os funcionários e terceiros, possibilitando a denúncia anônima ou garantindo proteção aos denunciantes.
Referidos canais podem ser disponibilizados, também, para que os funcionários manifestem preocupações relacionadas ao andamento da empresa.
O Programa de Compliance pode prever medidas disciplinares no caso de violações aos ditames a fim de coibir condutas desviadas.
Outro ponto importante é a transparência da empresa nas doações para campanhas políticas.
Seguindo essa linha, alguns órgãos públicos, como o Tribunal Superior Eleitoral, disponibilizam em seus sites, pelo menos nos últimos anos, portais de transparência que possibilitam pesquisas de valores de doações de pessoas jurídicas aos candidatos e partidos políticos, conforme determina a Lei de Acesso à Informação.
O compliance é, sem dúvida, um caminho em construção para a prevenção de crimes financeiros e de corrupção, para garantia da segurança da informação e para melhorar a gestão de riscos, tudo em conexão com os processos de gestão.
No entanto, para que o procedimento de prevenção de irregularidades ou infrações seja efetivamente integrado e apresente resultados é preciso que a alta administração seja engajada na nova política organizacional.
Isso porque o compliance não exige reorganização somente na pessoa jurídica, as mudanças são comportamentais, além das alterações técnicas e culturais da empresa, o que o torna bastante complexo.
Como visto, além do carácter preventivo o programa de Compliance tem o condão de detectar e interromper condutas irregulares, remediando os efeitos dos danos.
A cultura comportamental das lideranças sob os princípios do compliance aliados à sua multidisciplinariedade terá efetiva influência no desenvolvimento do país.
Fonte: Direito Real
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Jonathan Spagnoli
É acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia - Mestrado Profissional da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Faveni. Bacharel em Direito pela Unicesumar. Possui Certificação de Especialista Java EE 6 Enterprise Architect Oracle Sun Microsystems, Microsoft Certified Systems Engineer, Zend Certified Engineer, Certified Ethical Hacking. Atuou como Desenvolvedor de Sofware no CPD Sul do Grupo New Holland Brasil, Professor do Curso de Extensão da Faculdade UNIMEO - CTESOP em Assis Chateubriand. Instrutor em diversos cursos de tecnologia e computação.