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Em tempos de pandemia do Covid-19, muitos profissionais da saúde preocupam-se com questões relacionadas à responsabilidade civil a que estão sujeitos nas excepcionais circunstâncias que precisam enfrentar neste difícil momento que atravessa nossa civilização.

Pela escalada de transmissão do vírus, já é possível prever que no Brasil não haverá para todos os profissionais de saúde as condições ideais de trabalho que concederiam normalidade de atendimento à sociedade nesta sua relevante missão humanitária.
Inexistência de leitos de UTI, limitação de materiais de EPI para atuação nos hospitais, inexistência de número de profissionais suficientes para a prestação de serviços médicos, longas horas de trabalho ininterruptos, são algumas das condições excepcionalmente negativas a que os médicos já estão expostos no presente.

Neste contexto, a questão que emerge é acerca do nível de excelência que se pode exigir dos profissionais de saúde, incluindo os médicos, na atuação contra esta pandemia, considerando-se que não lhes são disponibilizadas as condições necessárias para a execução de suas relevantes tarefas.

Obviamente que esta complexa situação que vivemos não permite uma única resposta objetiva, visto que as variáveis da atuação médica passam a ser heterogêneas com a certeza de se atuar na maioria dos casos próximo dos limites aceitáveis de suas condições profissionais, materiais e psicológicas.

No tema de responsabilização civil das atividades médicas, na grande maioria dos casos, ao direito sempre coube a avaliação das situações que levaram os profissionais a agirem ou se omitirem diante de situações que poderiam estar acometidas pela negligência, imperícia e imprudência, ou ainda à positiva resposta à questão acerca da possibilidade de ser exigível conduta diversa àquela que causou o dano a ser analisado.

Em que pese o fato destas condições normativas não terem sido modificadas, e também considerando que o profissional da saúde continuará sujeito a todos estes questionamentos, parece-nos que as deficiências estruturais que a atual pandemia trata de expor sobre as condições gerais médicas para a prestação dos serviços, tanto no âmbito público como privado, poderá exigir um redimensionamento de perspectivas quanto às avaliações referentes aos casos médicos duvidosos, quando avaliados.

Isto porque se de um lado há que se exigir dos médicos as condições técnicas, físicas e cognitivas adequadas para o enfrentamento da grave situação vigente, por outro também se torna mandatório ao poder público e entidades privadas que administram a saúde o fornecimento de condições materiais, farmacológicas, físicas e afins para que os médicos

possam tornar-se ferramentas da sociedade no combate a este terrível inimigo invisível que é o vírus.

Contudo, tem-se observado, por diversos motivos justificáveis ou não, a crescente ausência de condições da sociedade em geral em fornecer aos profissionais das saúde as mínimas condições de enfrentamento da COVID-19. A seu turno, talvez não se possa utilizar os mesmos parâmetros que se utilizaria em condições normais de atuação profissional quando forem avaliadas situações com resultados pouco esperados.

Constata-se através da imprensa a existência de hospitais abarrotados de pacientes com sintomas típicos da COVID-19, métodos de esterilização de instrumentos e materiais hospitalares absolutamente improvisados, sacos de lixos sendo utilizados como aventais de proteção para os profissionais da saúde, instalações e locais não adequados para a internação de pacientes, e mesmo a utilização de medicamentos sem eficácia cientificamente comprovadas nos tratamentos à saúde. Todas estas inapropriadas condições de trabalho que estão sendo oferecidas aos profissionais investidos pela sociedade da responsabilidade de atuar na linha de frente desta pandemia, permite-nos questionar se os paradigmas de julgamento de suas atuações e resultados devem ser os mesmos que àqueles estabelecidos quando a comunidade vive período de absoluta normalidade e tranquilidade.

Ao que nos parece, em que pesem os agentes de saúde, incluindo os médicos, por óbvio, continuarem a ser responsabilizados por suas ações e omissões como sempre previu o sistema normativo brasileiro, entendemos que as condições para a imputação de tais responsabilizações devem ser sim relativizadas, consideradas na exata medida das deficiências apresentadas pelo sistema de saúde do país diante desta pandemia que já está de maneira lamentável inserida na história da humanidade.

Fonte: Saesp