É fato que ostentamos elevados e indesejáveis índices de litigiosidade em matéria tributária, tanto em âmbito administrativo como em âmbito judicial. A lentidão na tramitação dos processos, além de retardar a realização da receita tributária, mantém o contribuinte em “estado de inadimplência”, ainda que em alguns casos a exigibilidade do crédito esteja suspensa. Tal circunstância, a par de comprometer o financiamento das instituições democráticas, compromete também o desenvolvimento da atividade econômica.
A redução da referida litigiosidade perpassa, necessariamente, pela adoção de medidas alternativas de solução de conflitos, entre as quais se inserem a transação, a arbitragem e o negócio jurídico processual.
Importante ressaltar que, em matéria de transação, os municípios estão muito à frente de estados e da União. É significativamente grande o número de municipalidades que, no âmbito de suas competências, instituíram leis de transação tributária cujos resultados são muito positivos. Quanto aos estados, a adoção da transação como forma extintiva do crédito tributário é ainda muito acanhada, e a União “reluta” há aproximadamente vinte anos em instituí-la.
Fato é que não apenas a transação, mas todos os demais instrumentos de solução de conflitos em matéria tributária, em especial a arbitragem, sempre foram obstados em razão da suposta agressão à indisponibilidade dos bens públicos e à lei de responsabilidade fiscal, como também em razão da presunção de renúncia de receita que gerariam e, especificamente em relação à arbitragem, do fato de que a jurisdição é monopólio do Estado.
Tais óbices foram, em certa medida, superados em âmbito federal com a edição (i) da Portaria PGFN 742/2018 que instituiu o negócio jurídico processual (NPJ); (ii) do Projeto de Lei 4.257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia, que busca implementar o instituto da arbitragem em matéria tributária; e (iii) da Medida Provisória 899/2019, que instituiu a transação para débitos federais, além da Portaria PGFN 11.956/2019, que a regulamentou.
Quanto ao NPJ, o Código de Processo Civil introduziu, no artigo 190, a possibilidade negociação pelas partes litigantes em relação a direitos que admitem auto composição, facultando ao juiz controlar a legalidade e o equilíbrio das avenças estabelecidas. Sendo este o pressuposto para se celebrar o NPJ questiona-se: as desavenças tributárias admitem auto composição de maneira que seria possível celebrar negócio jurídico processual?
O Fórum Permanente de Processualistas Civis, ao analisar a questão acima mencionada, editou o Enunciado 256[1], em que reconhece que a Fazenda Pública pode celebrar negócios jurídicos processuais, porque o direito tributário permite auto composição. Esta também é a posição da PGFN, refletida na Portaria 742/2018, a qual instituiu o NPJ como meio válido para resolução de litígios no âmbito das execuções fiscais.
Nesse sentido, em face da possibilidade da adoção do NPJ em execuções fiscais, poderão ser negociadas questões como o calendário processual, a amortização da dívida e condições relativas às garantias. Portanto, penso que, embora o NPJ seja uma forma de transação, não resulta na extinção do crédito tributário.
São pressupostos para a celebração de negócio jurídico processual o interesse da Fazenda Nacional, a confissão do sujeito passivo no caso de amortização da dívida, a oferta de garantias e a obrigação de que o devedor informe a Fazenda Nacional sobre qualquer alienação de bens que venha a realizar durante o processo.
Acredito que a amortização da dívida e a oferta de garantias não são essencialmente hipóteses de negociação quanto a atos processuais, senão quanto ao crédito em si, o que insere tal discussão no campo da transação, e não do NPJ.
Conforme expus, embora o NPJ seja uma forma de transação, este instrumento é capaz de alcançar apenas ajustes relativos aos atos processuais, e, portanto, não acarreta a extinção do crédito tributário.
Ainda, destaco que o negócio jurídico processual pode ser rescindido em caso de descumprimento de qualquer uma de suas cláusulas, do inadimplemento de duas parcelas do plano de amortização, da falência do sujeito passivo, do esvaziamento patrimonial e da inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.
Alguns meses após a instituição do NPJ, sobreveio a MP 899/2019, a qual instituiu a transação como forma de extinção do crédito tributário, o que ocorre 53 anos após a edição do CTN, que já a contemplava em seu artigo 171. Conforme estabelece referido dispositivo, a lei poderá prever que, mediante concessões mútuas, as partes podem transigir para por fim a litígios e, embora haja controvérsias, penso que os litígios referidos no mencionado dispositivo podem ser judiciais e administrativos.
A transação, conforme enuncia sua justificativa, foi concebida para: (i) favorecer e auxiliar contribuintes com problemas econômicos transitórios; (ii) solucionar controvérsias que envolvam matérias relevantes e cujo objeto sejam controvérsias disseminadas; e, ainda, (iii) solucionar questões que envolvam débitos de difícil recuperação, em relação aos quais poderão ser concedidos descontos.
Sendo uma forma de extinção do crédito tributário, a transação está vinculada a existência de litígios, o que nos permite concluir que o CTN não autorizou a transação em relação a créditos tributários não discutidos em processos administrativos ou judiciais.
Neste aspecto, embora a MP 899/2019 enuncie por meio de seu artigo primeiro que a transação tem por objetivo resolver litígios, a Portaria PGFN 11.956/2019 que a regulamenta estabelece a possibilidade de ajuste em relação à débitos inscritos em dívida ativa, discutidos ou não em processos administrativos e judiciais. Ou seja, não se trata de genuína norma de transação, já que tais disposições se distanciam do disposto no artigo 171 do CTN.
Ainda, a MP e a Portaria em questão, vedam a transação quanto ao valor do crédito principal, de débitos de FGTS, de débitos relativos ao simples nacional e de multas qualificadas, e o artigo 14 da referida Portaria ressalva a realização de NPJ nessas circunstâncias. Concluo, portanto, que em tais hipóteses é vedada a transação mas não o negócio jurídico processual.
São três as modalidades de transação: (i) por adesão para débitos de até R$ 15 milhões; (ii) individual proposta pelo contribuinte; e (iii) a individual proposta pela PGFN, relativa a débitos de mais de R$ 15 milhões.
Em relação à transação por adesão, o primeiro edital foi publicado em dezembro de 2019 e autoriza sua utilização para débitos de até 15 milhões de reais. Trata-se de providência muito similar aos parcelamentos incentivados, já que não há uma participação efetiva do contribuinte quanto aos termos da transação, o qual simplesmente adere às condições impostas pela Fazenda Nacional.
São quatro as categorias de contribuintes que podem aderir à transação por adesão nessa primeira oportunidade: (a) contribuintes com CNPJs inativos e sem suspensão de exigibilidade; (b)contribuintes com suspensão de exigibilidade há mais de dez anos; (c) contribuintes mortos; e (iv) contribuintes com inscrição em dívida ativa há mais de 10 anos.
Os benefícios previstos e que poderão ser concedidos são: (i) descontos de 50% em relação aos acréscimos legais, os quais poderão chegar até 70% para pessoas físicas, micro empresas e empresas de pequeno porte ou empresa em recuperação judicial; (ii) parcelamento em até 84 meses ou até 100 meses, também para pessoas naturais, microempresas e empresas de pequeno porte, assim como empresas em recuperação judicial; (iii) flexibilização das garantias; e (iv) a possibilidade de utilização de precatórios próprios ou de terceiros.
Conforme se verifica deste breve relato, a transação por adesão não se insere efetivamente no campo da transação, embora seja providência muito positiva.
Creio que as transações por natureza são as individuais, que decorrem de proposta da Fazenda ou do contribuinte em que há proatividade efetiva de ambas as partes quanto às cláusulas da avença.
Há ainda uma regra na MP 899/2019 que merece especial destaque, qual seja, a possibilidade de a Fazenda Nacional pedir a falência do sujeito passivo que descumprir a transação, o que é, em tudo e por tudo, questionável, porque além de a Fazenda Pública não participar do processo falimentar, a disposição contraria jurisprudência consolidada dos tribunais.
Importante destacar que, por instituir uma espécie de transação tributária, em alguns aspectos a Portaria PGFN 742/2018, que criou o NPJ, poderá conflitar com regras veiculadas pela MP 899/2018. É tão factível a identidade entre as referidas medidas que a Portaria PGFN 11.956/2019 revogou vários dispositivos da Portaria PGFN 742/20, que criou o NPJ, ou seja, também a PGFN reconhece que são institutos análogos e que suas disposições devem ser harmônicas e compatíveis.
É certo que todas as providências aqui referidas contém aspectos a serem amadurecidos e ajustados, mas não podemos deixar de registrar que representam importantes avanços que favorecem o desenvolvimento nacional e atendem às recomendações da OCDE no sentido de que sejam criadas soluções para reduzir a litigiosidade tributária e estimular o cumprimento da respectiva legislação.
[1] 256. (art. 190) A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais)
Fonte Conjur
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Jonathan Spagnoli
É acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia - Mestrado Profissional da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Faveni. Bacharel em Direito pela Unicesumar. Possui Certificação de Especialista Java EE 6 Enterprise Architect Oracle Sun Microsystems, Microsoft Certified Systems Engineer, Zend Certified Engineer, Certified Ethical Hacking. Atuou como Desenvolvedor de Sofware no CPD Sul do Grupo New Holland Brasil, Professor do Curso de Extensão da Faculdade UNIMEO - CTESOP em Assis Chateubriand. Instrutor em diversos cursos de tecnologia e computação.